domingo, 11 de maio de 2008

O Médio

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Prometi a mim mesmo que não dedicaria muitas linhas por aqui em relação à música, assunto que já me ocupa 7 dias por semana. Mas, realmente, não dá pra evitar quando tantas mentiras tomam conta do noticiário e são exaustivamente repetidas no piloto automático.
São exatamente 18:38. Na tv a cabo aqui de casa existem basicamente 4 canais relacionados à música: MTV, MTV Hits, VH1 e Multishow (TVZ). No primeiro, passa algum programa sem graça; afinal pra que música no canal que nasceu pra isso?! No segundo um clipe de Hip Hop. O artista nem sei quem é, preciso esperar até o final do clipe. Mas perco a paciência e mudo pro Multishow. Novamente Hip Hop. Só que desta vez, consigo ao menos saber que é do Akon. Preferia Kanye West ou Lupe Fiasco; conseguem ao menos prender a minha atenção. Mudo pro único que falta: VH1. Rola uma playlist dominada por clipes cafonas da década de 80 sobre o tema casamento. Quem ouve Antena 1 e JB FM aqui no Rio se deliciaria.
Penso em desligar a TV, já que algumas perguntas ficam na minha cabeça:

1) Em que momento mesmo esse tal "Hip Hop" dominou o pop do Brasil e dos EUA?

2) Em que momento passaram a chamar de Hip Hop, um gênero que surgiu nos anos 70 em Nova Iorque repleto de crítica social e que nos deu tantos spin offs maravilhosos como a break dance e principalmente o grafite, se tornou um inventário de fascistas machistas (até trava a língua!) e de exaltação ao consumismo e ao vazio?

3) Desde quando as emissoras e as rádios assumiram que todo mundo gosta disso e que devem, portanto, dedicar grande parcela da programação ao gênero?


Esta última pergunta, aliás, é a mais fácil de responder. Ouvi da boca do diretor de programação de uma das maiores redes de rádios pop do Brasil: "Às vezes acho que o público emburreceu".
Culpa do público... Sei...

Fato é que existe, sempre existiu e sempre vai existir uma parcela muito grande desse "público" que pauta o gosto musical pelo que está tocando no momento. É importante estar atualizado nas músicas, porque assim dá pra ser "in", confratenizar com os outros ou, quem sabe, até poder dizer: "Não conhece?! Peraí que vou gravar procê!". É o que o indie adora fazer, em maior escala. E, claro, quando a música toca na boate, dá pra saber de quem é e continuar dançando da mesma forma que dançava a anterior. Afinal, nesse "hip hop" atual, basta balançar o corpo levemente no ritmo que você dança o playlist da noite inteira.

O grande público, principalmente diante de tantas ferramentas, sites e acessos internéticos, que em teoria deveriam provocar o efeito inverso, o da diferenciação, da busca pelo novo, pode até ter emburrecido. Mas acho que não é por aí; a explicação é muito mais simples e não envolve público: o mercado da música se afunda na mediocridade. E nem estou falando das gravadoras. O assunto é mesmo com os meios: jornais e revistas, TV e, principalmente, rádio.
Segundo a lei da acomodação, por que investir em uma rádio rock (hoje absolutamente inexistente no Rio de Janeiro e em São Paulo), se uma rádio composta de pop e hip hop pode dar muito mais audiência e, conseqüentemente, dinheiro? Nesse contexto, seria, inclusive, espantoso existir uma rádio inteiramente dedicada à MPB (ou, na verdade, a uma parcela dela de fato) no Rio. Mas a surpresa se desfaz ao lembrarmos que consultórios médicos e elevadores precisam de alguma trilha sonora.

O médio domina a programação e os programadores. Mas estes se esquecem de um dado fundamental: o mediano, o que todo mundo aceita escutar ou ver porque não tem tempo ou não se preocupa em procurar outras coisas, muda sempre! Nos anos 80 e início dos 90, ele era dominado pelo rock, pelo pop romântico e pelo sertanejo. Na metade da década de 90, o pagode popular, o axé e o dance pop ganharam força. Hoje nem precisamos falar.

A parada de sucessos é cíclica. E quem ousa sai na frente para definir o comportamento de todo um grupo de jovens e adolescentes por vir. Como Newton nos lembrava com a física, existe ação e reação. Até a reação ser incorporada pelo mainstream e virar ação. Enquanto isso, não nos esqueçamos da internet, nossa maior aliada para descobrir coisas novas, de qualquer gênero musical, em qualquer registro.

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Pra não dizerem que estou ranzinza, vai uma recomendação com muitos elogios. Ainda está em cartaz em alguns pouquíssimos locais no Brasil uma maravilha do cinema mexicano intitulada "Zona do Crime", ou "La Zona", no original, vencedor do Leão de Ouro de Melhor Filme de Estréia no Festival de Veneza de 2007. Ao lado de uma favela, na Cidade do México, existe um condomínio de alto luxo, cercado por altíssimos muros, intitulado "La Zona". Durante uma tempestade, um outdoor cai, quebrando parte de um muro e cortando a energia do condomínio. Dois homens e um adolescente da favela passam para outro lado para roubar alguns pertences. Mas a forte segurança do local age e mata os dois, sem conseguir evitar, porém, que um deles mate uma senhora. O adolescente, por sua vez, fica preso no condomínio.

É aí que entendemos o que realmente está por trás desse cercadinho de luxo: um grupo de pessoas assustadas e que são capazes de tudo, tudo mesmo, para manterem seu padrão de vida. Quase como os vizinhos do apartamento da protagonista de "O Bebê de Rosemary". As decisões são tomadas em conselho, como em qualquer cidade sinistra de filme de terror, a polícia precisa de mandado judicial para entrar no local, a liberdade de agir e punir com as próprias mãos é plena.



E a forma como o diretor Rodrigo Plá articula os diferentes protagonistas (os adolescentes do local, os homens, as mulheres quase sempre donas de casa, a mãe do adolescente perdido que o procura, a namorada dele, o policial violento que quer desmascarar a corrupção no condomínio) é absolutamente brilhante! A caça dos "adultos" ao adolescente escondido, o quanto os filhoes deles emulam ou repelem o comportamento deles, a amizade de um deles com o foragido, os mecanismos corruptos da polícia. Tudo isso, envolto em belíssimas atuações, faz de "Zona do Crime" um filme absolutamente contundente, tanto em forma, no seu misto de suspense com tragédia, quanto em conteúdo.

Assusta ainda mais quando percebemos que uma história a princípio tão complexa é tão impressionantemente real e atual.

Tá logo ali na esquina.
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"Skins" acabou mês passado. E como acabou bem... Vai ser difícil uma série direcionada ao público adolescente alcançar o altíssimo nível que ela estabeleceu. Dizem que já estão produzindo versões da série na Espanha e nos EUA. Era de se esperar.

4 comentários:

Anônimo disse...

Quando comecei a ler o artigo sobre Hip Hop, chegou a passar pela minha cabeça que, mesmo com toda a qualidade do artigo, seria previsível. Mas ver que vc respeita e reconhece as qualidades desse movimento ,e surpreendeu. As vezes até quem segue essa cultura não se atentou a isso ainda. (que vc escreveu)

Anônimo disse...

Fábio, ainda bem que você abriu esta exceção. Na última semana, tive medo que estivesse sofrendo de envelhecimento precoce. Explico: meus amigos dizem que eu ando reclamando muito quando o assunto é música.

A explicação do referido diretor de programação é bastante comum no setor. Afinal, é muito fácil culpar a "massa". A rigor, pode-se falar tudo sobre "a massa". Isso mostra o como em termos de crítica cultural, os "especialistas" ainda são extremamente frankurtianos. A massa é "burra", "a-crítica", "homogênea", "alienada"...enfim, uma série de (des)qualificações já muito rotineiras .

E olha que aqui não estamos simplesmente falando de gosto musical. Estamos falando de qualidade, de trabalho, de inovação e até mesmo de saudosismo, que também pode criar coisas novas, por mais paradoxal que isso possa parecer. Independente do “gênero” de que falamos, o debate gira em torno da qualidade. E aí, meu velho amigo, você está com toda razão: essa crise é em termos.

Atualmente, quando se discute um problema cultural ou social, as pessoas geralmente repetem o que se escuta por aí, seja da boca de um antropólogo que saiu no jornal ou de um professor da faculdade. Para a nossa questão, a resposta é sempre a mesma: o público não sabe escolher. Assim, banalizam a questão, tratam as pessoas como crianças.

E a indústria fonográfica por muito tempo comprou esta idéia. Gostava tanto dela que conseguiu fazer muita gente acreditar que isso era verdade, até mesmo muitos consumidores. Houve até quem criasse os mitos dos anos 90, como aquele que diz que a “juventude” adora Hip Hop e Grafite. (Educador de meia-idade metido a sacar tudo de jovens, adora falar isso pra todo mundo). Mas oras, supor que “juventude” seja um grupo coeso é tão absurdo quanto falar em um grupo de “adultos”! Um é tão diverso quanto outro! E pensar que eles gastam milhões com consultores que não enxergam isso.

Mas aí...

Mas aí veio a internet. Por que diabos eu tenho que me submeter a uma rádio que me dá um playlist repetido, sem criatividade, homogêneo e cheio de jabá? Eu posso fazer meu próprio playlist! Afinal, foi pra isso que comprei meu MP3 player ou IPOD! Já era hora. Mas é claro: a indústria em geral reagiu muito mal. E vem reagindo mal. O MP3 é uma revolução para todos, Consumidor e produtores. Mas muita gente ainda continua preso a certos ditames cartesianos.

Deste modo eu proclamo: “todo o poder aos usuários!” Que usem a internet para usufruir da diferenciação prometida, mas ainda longe dos dials e mainstreams.

Antes de partir, apenas uma observação geral sobre o que penso sobre a música enquanto expressão de e para práticas sociais:

Ocorre com o indie e o Hip Hop o que ocorreu com inúmeros outros bons segmentos da música: ele foi abocanhado por marketeiros oblíquos. A coisa vira moda pela moda, vira “in”, vira necessidade forjada, quando antes era o que todo bom movimento pode ter: compromisso com a alma e descompromisso com o “style” como norte. Essa coisa de se tentar achar sempre uma identidade mata qualquer expressão cultural. Sempre tem alguém em busca de catalogar e categorizar. E nisso, até mesmo os ouvintes colaboram massivamente. Todo mundo parece comprar a idéia de se auto-engavetar. Tudo tem que ser rápido. Tudo tem que ser trocado. Não conhece? Tadinho...”Fica ligado” – é o tal do “gravo cd para você”. Como diria os Titãs, devemos estar vivendo a era do “a melhor banda de todos os tempos da última semana”. Por outro lado...há também aqueles que se fecham completamente ao novo. Indie? “Isso é coisa de mulherzinha”, afirmar os que continuam fiéis ao “bom e velho Grunge”.

É por isso que reclamo. Por isso que já me aparecem alguns muito alguns vários fios de cabelos brancos. Mas estou satisfeito com o que sou hoje. Acho que às portas dos 26 anos sou uma pessoa moderada, razoável e que gosta de uma negociação, de um diálogo que não evita conflitos, mas que os coloca de maneira sadia, sem prejuízos a ninguém. Mas é tão difícil conseguir isso...Hoje adoto uma postura que me sinto bem: adoro coisas antigas. Poxa, sou historiador! Mas também me excito com aquilo que é novo. Sou jornalista, irmão! Essa dualidade pra mim é, no fundo, multiplicidade. O antigo e o moderno coexistem e se dão muito bem comigo e eu com eles. Não se trata de competição. Quero tudo do melhor: daquilo que passou e daquilo que virá. Quando vou a uma festa, procuro colocar no mesmo cd músicas que vão de Led Zeppelin a Klaxons. O que ganhei até agora? A desconfiança dos metaleiros e a antipatia dos indies. “É duro”, diria a Franciane...

Abraços!

Bruno Leal

Anônimo disse...

Oi Fábio!!!
Deus, que comentário grande o leal deixou! Parece até um texto auxiliar rsrsrs
Olha que coincidencia, fazia tempo que eu não passava por aqui... e hoje que resolvo dar uma olhada encontro uma analogia formidável com uma das leis de Newton no seu texto Fábio! Não sou muito de comentar, só leio mesmo, mas essa não dava pra deixar passar né!Muito bom! hehehe
Ta vendo, acho que os donos de rádios deviam ter um curso de fisica basica...
E concordo plenamente com o post, já nem escuto mais rádio. Gosto de pop sim, mas em doses homeopáticas né!
Só escuto se for a CBN (já tentei a BandNews, mas depois que a reporter garantiu que o terceiro mandato do lula é permitido pela constituição, desisti.
Ah, e o melhor! No final do comentário do Leal (confesso, não li o comentário inteiro rs) tem ainda uma citação minha! Mas vale lembrar que eu adquiri essa expressao da Renata, que por sua vez a adquiriu de uma amigo dela rsrsrs
Voltando à questão do post: realmente, 'é duro'.

Bjos!!!

Aninha T. disse...

Um tempinho que não navego nos blogs dos amigos...

Adoro pop, adoro cultura de massa (tá bom, gosto... mas digo adoro para provocar! risos) e até gosto de hip hop. Sim, alguns... gosto! Mas, meu Deus, nem eu consigo encarar o mais do mesmo.

Nem eu consigo gostar das rádios. E sou muuuuito eclética. Gosto de tudo, ou quase. Pagode mela e sertaneja mela eu deixo de fora.

Então, penso, quem afinal está feliz? Como lucram?

Enfim...

Posso dizer que tenho recebido muitas influências (acredito que vc diria que são boas - rs) de rock e indie rock... como não conheço muito, está dando para oxigenar o cérebro e massagear os ouvidos! ;o)

bjs