quinta-feira, 13 de março de 2008

Corpos de Teflon



Qualquer tia, vó, mãe ou mero purista tem sempre a mesma coisa a dizer a respeito da TV (sim, essa entidade homogênea que o próprio uso do termo indica): hoje em dia, só tem baixaria. Mas é uma baixaria da qual poucos conseguem remover o olhar. Fascina àqueles que ali procuram mais do que realmente existe: corpos assépticos se chocando, pudores mascarados em ousadia e sensual preterido pelo pseudo-explícito.

O sexo só aparece um pouco mais sério quando velhinhas ou terapeutas conseguem programas na TV paga. Mais do que falar do estado das coisas, porém, é mais interessante recorrer a duas produções que vi recentemente e que (justiça existe!) fogem a esta regra. O primeiro é o último filme de John Cameron Mitchell, o cara por trás do divertido "Hedwig and the Angry Inch", filme sobre um rockstar travesti, que, bem, perdeu um bom pedaço do pênis e ficou apenas com um "angry inch". "Shortbus", o tal último filme, é de 2006 e já passou por alguns festivais no Brasil. Não é de se espantar que não tenha saído até agora em circuito comercial ou DVD.




O filme se divide em duas histórias principais, ainda que existam outras satélites: uma psicóloga conjugal que jamais teve um orgasmo (talvez a mais interessante) e um casal homossexual tratado por ela que permaneceu 5 anos fiel e que deseja incluir um terceiro elemento na relação. E um dos personagens principais é um clube chamado "Shortbus", em que o sexo é livre, possível com qualquer um e de qualquer forma. Quem se chocou com o sexo oral do excelente "Brown Bunny", provavelmente vai ter mais problemas com esse. As cenas de sexo são todas explícitas, a interação entre os atores, todos amadores e recrutados via MySpace, real.

Em que medida, então, se diferencia de um filme pornô? Fácil: o explícito não evoca o voyeur, mas questiona o porquê de se esconder o sexo, quando o tema principal envolve justamente as diversas formas de se lidar com ele. É como filme policial sem assassinato ou de terror sem o elemento aterrorizante. Não é particularmente um grande filme no sentido técnico. Porém, "Shortbus" não se recusa a mostrar aquilo de que fala. E culmina com uma orgia mais focada em celebrar do que em chocar. Como a que Fellini faria em alguns filmes ("Satyricon", "Oito e Meio", "A Doce Vida") se o pudor da época e a sua vontade artística permitissem.


Nem tão ousado, porém igualmente iconoclasta (para os padrões televisivos) é a série inglesa "Skins". Primeiramente, porque coloca atores adolescentes na mesma idade dos personagens e não caras e mulheres de 26 anos pra fazer garotos e garotas. Sorry, nem toda a maquiagem do mundo me faz engolir tamanha artificialidade. E segundo porque , ao contrário das sitcoms americanas, em que qualquer personagem quase sempre está de calça comprida, tênis e camisa, mesmo que esteja deitado na cama, tem uma relação nem um pouco hipócrita com o corpo desses adolescentes:





Os garotos aparecem sempre sem camisa, de cueca ou até mesmo nus. Mais até do que as próprias garotas (ainda que elas tenham o seu "share" de liberdade), ao contrário do que uma sociedade machista como a nossa sacramentou. Não existe um personagem principal propriamente dito, cada capítulo é centrado num deles. Começa com Tony (interpretado pelo menino de "Um Grande Garoto", lembram?!), um adolescente perspicaz, inteligente e ambíguo em suas pretensões que, quase como um personagem shakespiriano ou de Oscar Wilde, gosta de criar intrigas e de armar situações. Ele namora a bela Michelle, que é a garota dos olhos do melhor amigo de Tony, o atrapalhado (e tímido para relacionamentos) Sid. Completam o grupo Anwar, de família muçulmana, o seu melhor amigo (gay) Maxxie, a responsável Jal, o "louco" Chris (que experimenta qualquer droga ou situação) e a bulímica Cassie.


Naturalmente, como toda série focada em adolescentes, Skins tenta dar conta de quase todas as aflições que os atingem. E quase sempre é bem-sucedida na empreitada, uma vez que foge do clichê e do moralismo. Numa série de TV, nunca a amizade entre dois adolescentes (Tony e Sid) foi tão bem retratada, nunca um personagem adolescente homossexual (Maxxie) verossímil ganhou tanto destaque, nunca o abandono e a solidão (Cassie e Chris) foram tão evidentes. E, principalmente, um dos pontos mais importantes da adolescência, a vida sexual, foi enfatizado como deveria.

Nenhuma outra série que eu conheça teria coragem de fazer esta cena com um personagem principal que deseja experimentar:




Ou ousaria abordar uma relação professora-aluno sem receios. Ou arriscaria, nos dias de hoje, falar de um garoto virgem com medos. Ou do uso de drogas como escapismo. Ou da idéia de suicídio na adolescência. Ou da amizade masculina sem tolos receios de que pareça gay (e não é!). Enfim, tudo isso se desenrola na tela, com uma trilha sonora matadora (The Gossip, Decemberists, Foals, Belle and Sebastian, Bloc Party, Yeah Yeah Yeahs e até um improvável Cat Stevens), e nuances que alternam a comédia (existem cenas hilárias!) e o drama sem a mão pesada e o moralismo travestido de denúncia de um "Kids", ícone adolescente mais do que ultrapassado.

Sinal dos tempos? Tomara. Já tava ficando entediado.