quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Ah, as listas...


Tinha me prometido que ia parar um pouco de falar de cinema e que ia logo mudar de assunto. Mas a droga do hábito me fez retornar ao mesmo tema... Então, rola o Oscar nesse fim de semana. Mas as pessoas não parecem tão cientes disso. Por que?! Não sei bem... Sei de uma coisa, porém: nos últimos anos, os indicados/vencedores têm sido de muito melhor qualidade. Nos anos 90, arrisco dizer, o Oscar viveu seus anos negros. Durante esse período, ganhavam Oscars filmes que, nas CNTP, seriam apenas bons, legais e nada além: "Forrest Gump" (1994), o fraco "Coração Valente" (1995), "O Paciente Inglês" (1996), "Titanic" (1997) e "Shakespeare Apaixonado" (1998).



No final da década de 90, o Oscar ensaiou uma virada com "Beleza Americana". Mas aí engolimos, em seguida, "Gladiador" (2000) e "Uma Mente Brilhante" (2001), em um ano em que concorria uma obra-prima ("Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel"). Depois, melhorou muito, tanto pelos indicados quanto pelos vencedores: "As Horas", "Encontros e Desecontros" (ou "Lost in Translation"), "Sobre Meninos e Lobos", "Brokeback Mountain", "Boa Noite e Boa Sorte", "Munique", "Cartas de Iwo Jima" e "Os Infiltrados" são todos Grandes filmes, com o "g" maiúsculo mesmo. Teve, é claro, um belo escorregão, quando em 2005 premiou o péssimo "Crash - No Limite", que nem ser indicado merecia.

E esse ano, a disputa traz 5 grandes filmes. Talvez, mais do que nos últimos 20 anos, o Oscar esteja disputado integralmente por concorrentes de peso; "Onde os Fracos Não Têm Vez" e "Sangue Negro" são pequenas obras-primas e "Juno", "Conduta de Risco" e "Desejo e Reparação" são, no mínimo, ótimos. E ainda tem o excelente "Sweeney Todd", que ficou de fora. É muito provável que o filme dos Irmãos Coen seja o grande vencedor da noite. "Desejo e Reparação" e "Sangue Negro" têm chances, mas parecem um pouco menores. Os outros têm a própria indicação como prêmio. Um ponto interessante é a constante politização do prêmio. Este ano, todos os indicados tocam em alguma questão política enraizada na sociedade americana: a riqueza e o petróleo ("Sangue Negro"), a corrupção ("Conduta de Risco"), a gravidez adolescente e o aborto ("Juno"), a mentira e a ignorância ("Desejo e Reparação") e o medo e a violência ("Onde os Fracos Não Têm Vez").

Já que todo mundo pode fazer lista, vou escolher os meus favoritos de 2007 (que tenham sido lançados, no Brasil ou nos EUA, comercialmente), sem ordem de preferência:

Ratatouille - O diretor Brad Bird, o gênio por trás de "O Gigante de Ferro" e "Os Incríveis", criou uma nova obra-prima para a Pixar. A saga do ratinho cozinheiro vai além da busca do sucesso e da realização, é muito melhor do que isso: trata genuinamente da alma humana, das memórias e do afeto que estão ligados à culinária.

O Hospedeiro - Fazia tempo que eu tinha deixado de acreditar que um filme de monstro podia me surpreender. Até surgir essa produção coreana não menos do que genial! Poucos filmes, hoje, conseguem nos surpreender tanto quanto este.

Zodíaco - O melhor filme que David Fincher fez até hoje é um brilhante estudo das reações humanas diante do mistério. Faz lembrar alguns dos maiores clássicos do cinema policial americano. A grande vantagem é que é, ao mesmo tempo, atemporal em sua narrativa.

Império dos Sonhos - A sensação é que este é o filme que David Lynch sempre quis fazer. Quem viu o final da série "Twin Peaks" pode logo imaginar aquele delírio durando 3 horas. É uma experiência audiovisual que extrapola as barreiras do cinema e jamais deixa o espectador indiferente.

Rocky Balboa - Sim, o do Stallone! Até hoje só tinha visto o primeiro, que sempre achei bom. Não vi os outros, que sempre me pareceram caça-níqueis. Mas resolvi dar uma chance a esse. E como fiquei feliz! É um belíssimo filme sobre a existência humana diante daquilo que amamos (família, amigos, profissão), um réquiem necessário.

Paranoid Park - É, junto com "Elefante", a obra máxima de Gus Van Sant e isso não é pouco. Aqui, ele atingiu o ápice da sua maturidade e domínio como cineasta. O resultado é um deleite para os olhos.

Onde os Fracos Não Têm Vez - Os Irmãos Coen fizeram um clássico no momento em que editaram a última cena deste filme. Tem tantas qualidades, que dava para ficar linhas e mais linhas descrevendo, mas isso já fiz no último post.

Sangue Negro - Para quem já tinha se acostumado com o estilo de Paul Thomas Anderson, a surpresa foi boa: é diferente e, ao mesmo tempo, traz todas as qualidades dos seus filmes anteriores. É uma pequena e peculiar obra-prima, ampliada por brilhantes trabalhos de fotografia, trilha sonora (do multi-instrumentista Jonny Greenwood, do Radiohead) e atuação, em especial de Daniel Day-Lewis.

Sweeney Todd - Talvez seja este também o filme que Tim Burton sempre quis fazer. Negro até o último fio de cabelo, os risos vêm mais pelo incômodo que gera na platéia do que por situações explicitamente engraçadas.

E os meus 2 leitores, do que gostaram mais?! Aliás, percebi que nem 10 filmes tenho... Tudo bem, infelizmente não vi muuuuiiiitos filmes ano passado, em especial muitos brasileiros que queria demais ter visto e que com certeza teriam lugar nessa lista. Locadora existe para tirar esses atrasos.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

A Morte do Herói ou A Reinvenção do Faroeste


E não é com animação que proclamo isso, vai. O que seria da minha infância sem X-Men, Cavaleiros do Zodíaco, Jaspion, Changeman, Jiraya e tantos outros?! Ou de gêneros clássicos do cinema como a aventura ou o faroeste? Fato é que os Irmãos Coen e o escritor Cormac MacCarthy não tomam conhecimento disso. "Onde os Fracos Não Têm Vez" (ou, melhor, "No Country for Old Men", no original) mistura suspense, drama, um pouco de terror e faroeste, clássico refúgio de heróis, para contar a história de um homem que, após se apoderar de uma mala repleta de dinheiro, passa a ser perseguido por um assassino implacável de nome esquisito (Anton Chigurh, muito bem interpretado por Javier Bardem) que deixa um rastro de mortes investigado pelo detetive interpretado por Tommy Lee Jones.

Pode parecer estranho, mas talvez seja Chigurh o verdadeiro protagonista do filme. Sua crueldade transcende a de qualquer vilão que tenhamos em memória imediata. Mata por matar, sem critério. Algumas vezes, "brinca" com a vida de sua vítima, jogando cara e coroa para decidí-la. E, por incrível que pareça, respeita o resultado, ainda que este seja a vida. Sua arma é metaforicamente peculiar: um rifle de ar comprimido absolutamente silencioso, que, por vezes, sequer atira balas. Chigurh é, antes de tudo, a personificação do medo e do terror. Para o cowboy que se apodera do dinheiro e precisa fugir ao mesmo tempo em que protege a sua esposa, ele é a punição, o terror. Para o xerife que o persegue, ele é um fantasma, a morte.


Nenhum dos dois, porém, parece querer enfrentá-lo, encará-lo de frente. A menos que seja necessário. No faroeste dos irmãos Coen, o confronto foi substituído pelo terror. E, tal qual Ang Lee havia feito com o seu "Brokeback Mountain", um gênero é reinventado. Afinal, a Brokeback Mountain era um refúgio do medo, da incompreensão e do terror do meio, tão marcantemente representado na lembrança de um incidente na infância do personagem de Heath Ledger. É curioso o quanto o faroeste, gênero clássico do embate do americano com o outro invasor (seja este o cowboy ou o índio) ou dele com a lei, tenha sofrido uma mudança profunda e se tornado tão atual e moderno. Ao menos no conteúdo, já que formalmente, esses diretores fazem cinema clássico da maior qualidade. A mensagem é sutil: o problema não é o outro, mas o medo dele, o terror, que está no seio da própria sociedade americana.

Só que dessa vez, o tal filme subversivo deve abocanhar alguns Oscar, já que personagens do mesmo sexo só brigam entre si... O mérito, porém, por esta obra-prima, talvez o maior filme que os irmãos Coen tenham feito até hoje (e, olha, que outra adaptação literária, "E aí meu Irmão, Cadê Você?" briga por esse posto), não é apenas do diretor. Não cheguei a ler o livro de Cormac MacCarthy, porém, por ler "A Estrada", seu livro seguinte, vencedor do Pulitzer no ano passado, é possível identificar pontos em comum. As histórias de MacCarthy são negras, tem um forte tom pessimista. A morte é algo que se move contra os personagens e tudo o que eles têm que fazer é se manterem vivos. Há, porém, uma força muito forte que os faz sobreviver. E é tão simples, quanto cafona, alguns devem achar (eu não!): amor.



Amor à vida do personagem de Tommy Lee Jones, uma vez que é cada vez mais fraca sua crença em um Deus e cada vez maior o seu medo do vazio da morte (e de um resto vazio de existência). Amor da esposa em relação ao marido perseguido (e, de certa forma, dele a ela). O amor do pai pelo filho e vice-versa em "A Estrada", mas disso já falo. O personagem de Javier Bardem jamais é humanizado, até o final. Ao confrontar a esposa do fugitivo, ela o lembra de que as escolhas são dele, se ele mata ou não, a culpa é dele, e não de uma força oculta do universo que opera através dele. Xeque-mate.


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São essas mesmas escolhas, diante de forças aparentemente maiores, que pautam "A Estrada", brilhante romance do mesmo escritor de "Onde os Velhos Não Têm Vez". Usando um estilo que mistura poesia e economia extrema na narrativa, criando um estilo único, MacCarthy retrata um pai e seu filho que vagam por um EUA desolado, destruído por algo que jamais sabemos. As cidades estão em chamas, os corpos estão por toda a parte, o céu está coberto de cinzas, a comida é escassa e hordas de saqueadores espalham o terror. Os dois se mantém vivos, caminhando em direção ao oceano, sem saber por que, graças ao amor que sentem um pelo outro. E precisam, entre outras coisas, superar a dificuldade de confiar em outros, coisa que o filho, capaz de enxergar caminhos por um mundo árido e destruído para o amor, incentiva e o pai, machucado por tudo, evita.

O livro, além de receber o prêmio máximo da literatura americana, foi escolhido por Oprah Winfrey, sim a apresentadora de TV número 1 dos EUA, para o seu Book Club, do qual milhares de americanos fazem parte. É uma escolha ousada e, ao mesmo tempo, muito oportuna: ainda que seja literatura do mais alto nível, é um livro acessível. Ah, quem me dera que aqui uma Ana Maria Braga tivesse um clube do livro também... A ignorância por essas terras, seria bem mais rara... A Ofélia (lembram dela?!) bem que tentou. Só que seus livros só traziam receitas e o tempo de leitura era gasto na cozinha... Ainda que a comida ficasse boa. Muito boa.

"A Estrada" já está sendo adaptado para o cinema (e eu acho um livro muuuuiiiito difícil de adaptar, mas vejamos o que será feito) e vai trazer Aragorn (Viggo Mortensen) no papel do pai e o desconhecido Kodi Smit-McPhee (que já ganhou até prêmio de jovem ator do Institudo de Cinema Australiano) no do filho. A direção é de John Hillcoat, que tem no currículo clipes de bandas como Nick Cave & the Bad Seeds, Siouxsie & the Banshees, Manic Street Preachers, Bush, Placebo, Suede, Depeche Mode, Muse, entre outros. Tá, os clipes são bons. Mas acho que o filme pediria o oposto disso... Enfim, vamos conferir e ver no que dá.