sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

A Morte do Herói ou A Reinvenção do Faroeste


E não é com animação que proclamo isso, vai. O que seria da minha infância sem X-Men, Cavaleiros do Zodíaco, Jaspion, Changeman, Jiraya e tantos outros?! Ou de gêneros clássicos do cinema como a aventura ou o faroeste? Fato é que os Irmãos Coen e o escritor Cormac MacCarthy não tomam conhecimento disso. "Onde os Fracos Não Têm Vez" (ou, melhor, "No Country for Old Men", no original) mistura suspense, drama, um pouco de terror e faroeste, clássico refúgio de heróis, para contar a história de um homem que, após se apoderar de uma mala repleta de dinheiro, passa a ser perseguido por um assassino implacável de nome esquisito (Anton Chigurh, muito bem interpretado por Javier Bardem) que deixa um rastro de mortes investigado pelo detetive interpretado por Tommy Lee Jones.

Pode parecer estranho, mas talvez seja Chigurh o verdadeiro protagonista do filme. Sua crueldade transcende a de qualquer vilão que tenhamos em memória imediata. Mata por matar, sem critério. Algumas vezes, "brinca" com a vida de sua vítima, jogando cara e coroa para decidí-la. E, por incrível que pareça, respeita o resultado, ainda que este seja a vida. Sua arma é metaforicamente peculiar: um rifle de ar comprimido absolutamente silencioso, que, por vezes, sequer atira balas. Chigurh é, antes de tudo, a personificação do medo e do terror. Para o cowboy que se apodera do dinheiro e precisa fugir ao mesmo tempo em que protege a sua esposa, ele é a punição, o terror. Para o xerife que o persegue, ele é um fantasma, a morte.


Nenhum dos dois, porém, parece querer enfrentá-lo, encará-lo de frente. A menos que seja necessário. No faroeste dos irmãos Coen, o confronto foi substituído pelo terror. E, tal qual Ang Lee havia feito com o seu "Brokeback Mountain", um gênero é reinventado. Afinal, a Brokeback Mountain era um refúgio do medo, da incompreensão e do terror do meio, tão marcantemente representado na lembrança de um incidente na infância do personagem de Heath Ledger. É curioso o quanto o faroeste, gênero clássico do embate do americano com o outro invasor (seja este o cowboy ou o índio) ou dele com a lei, tenha sofrido uma mudança profunda e se tornado tão atual e moderno. Ao menos no conteúdo, já que formalmente, esses diretores fazem cinema clássico da maior qualidade. A mensagem é sutil: o problema não é o outro, mas o medo dele, o terror, que está no seio da própria sociedade americana.

Só que dessa vez, o tal filme subversivo deve abocanhar alguns Oscar, já que personagens do mesmo sexo só brigam entre si... O mérito, porém, por esta obra-prima, talvez o maior filme que os irmãos Coen tenham feito até hoje (e, olha, que outra adaptação literária, "E aí meu Irmão, Cadê Você?" briga por esse posto), não é apenas do diretor. Não cheguei a ler o livro de Cormac MacCarthy, porém, por ler "A Estrada", seu livro seguinte, vencedor do Pulitzer no ano passado, é possível identificar pontos em comum. As histórias de MacCarthy são negras, tem um forte tom pessimista. A morte é algo que se move contra os personagens e tudo o que eles têm que fazer é se manterem vivos. Há, porém, uma força muito forte que os faz sobreviver. E é tão simples, quanto cafona, alguns devem achar (eu não!): amor.



Amor à vida do personagem de Tommy Lee Jones, uma vez que é cada vez mais fraca sua crença em um Deus e cada vez maior o seu medo do vazio da morte (e de um resto vazio de existência). Amor da esposa em relação ao marido perseguido (e, de certa forma, dele a ela). O amor do pai pelo filho e vice-versa em "A Estrada", mas disso já falo. O personagem de Javier Bardem jamais é humanizado, até o final. Ao confrontar a esposa do fugitivo, ela o lembra de que as escolhas são dele, se ele mata ou não, a culpa é dele, e não de uma força oculta do universo que opera através dele. Xeque-mate.


**************************************************


São essas mesmas escolhas, diante de forças aparentemente maiores, que pautam "A Estrada", brilhante romance do mesmo escritor de "Onde os Velhos Não Têm Vez". Usando um estilo que mistura poesia e economia extrema na narrativa, criando um estilo único, MacCarthy retrata um pai e seu filho que vagam por um EUA desolado, destruído por algo que jamais sabemos. As cidades estão em chamas, os corpos estão por toda a parte, o céu está coberto de cinzas, a comida é escassa e hordas de saqueadores espalham o terror. Os dois se mantém vivos, caminhando em direção ao oceano, sem saber por que, graças ao amor que sentem um pelo outro. E precisam, entre outras coisas, superar a dificuldade de confiar em outros, coisa que o filho, capaz de enxergar caminhos por um mundo árido e destruído para o amor, incentiva e o pai, machucado por tudo, evita.

O livro, além de receber o prêmio máximo da literatura americana, foi escolhido por Oprah Winfrey, sim a apresentadora de TV número 1 dos EUA, para o seu Book Club, do qual milhares de americanos fazem parte. É uma escolha ousada e, ao mesmo tempo, muito oportuna: ainda que seja literatura do mais alto nível, é um livro acessível. Ah, quem me dera que aqui uma Ana Maria Braga tivesse um clube do livro também... A ignorância por essas terras, seria bem mais rara... A Ofélia (lembram dela?!) bem que tentou. Só que seus livros só traziam receitas e o tempo de leitura era gasto na cozinha... Ainda que a comida ficasse boa. Muito boa.

"A Estrada" já está sendo adaptado para o cinema (e eu acho um livro muuuuiiiito difícil de adaptar, mas vejamos o que será feito) e vai trazer Aragorn (Viggo Mortensen) no papel do pai e o desconhecido Kodi Smit-McPhee (que já ganhou até prêmio de jovem ator do Institudo de Cinema Australiano) no do filho. A direção é de John Hillcoat, que tem no currículo clipes de bandas como Nick Cave & the Bad Seeds, Siouxsie & the Banshees, Manic Street Preachers, Bush, Placebo, Suede, Depeche Mode, Muse, entre outros. Tá, os clipes são bons. Mas acho que o filme pediria o oposto disso... Enfim, vamos conferir e ver no que dá.

Um comentário:

Bruno Leal disse...

Confesso que achei o filme apenas "interessante". Não me fez mergulhar em nenhuma questão profunda. Muito menos fiquei impressionado com as técnicas que utiliza.

Agora, gostei muito de ter lido "A Estrada" e fico bastante contente com a notícia que estão fazendo um filme baseado no livro. Espero que façam um bom trabalho, pois concordo com você: livro BEM difícil de adaptar.

arbação!