terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Em Busca de Juízo

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Dias desses, peguei no GNT reprise de um programa da Marília Gabriela em que a jornalista, apresentadora e atriz nas horas vagas entrevistava a cineasta Maria Augusta Ramos e a juíza Luciana Fiala. A primeira é diretora do ótimo documentário "Juízo" e a segunda é um dos juízes que que atuam no tribunal de Paracambi, no Rio de Janeiro, em que o registro documental é realizado. A ação filmada, em questão, é o julgamento de menores infratores, complementada por entrevista com as famílias ou visita aos locais onde moram, além de imagens aterradoras das celas dos reformatórios, em que adolescentes se amontoam em beliches sem nenhuma atividade intelectual ou cultural.

No documentário, Maria Augusta optou por não usar trilha sonora e, como não podia veicular as imagens dos menores, optou por substituí-los por não-atores que vivem em situações sócio-econômicas muito similares. Ao evitar ao máximo acrescentar tratamento estético às imagens e sons que registra, a cineasta ressalta a opressão do encarceramento e o choque com a realidade de guerra civil em que esses adolescentes estão inseridos. E também a postura forte, em momentos quase histérica da juíza Luciana, que foi, neste caso sim, a protagonista do trailer do filme.




Luciana profere opiniões e julgamentos sobre os réus, todos com a segurança de quem acredita veementemente nas leis brasileiras (no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente) e quer fazê-las valer. Quando perguntada por Marília Gabriela se a sua postura no tribunal não seria um tanto conservadora, Luciana repele: "ser conservador não é o ponto central da história, o ponto central é ser justo". O uso de palavras tão pesadas para qualquer significação frequentemente é o calcanhar de Aquiles de qualquer argumentação. Neste caso, Luciana as usa para tentar repelir aprofundar a questão. Quando Marília pergunta como é mandar adolescentes para reformatórios que não reformam, só pioram tudo, a juíza afirma que procura fazer a sua parte, que não poderia deixar de exercer o poder judiciário mesmo se tivesse dúvidas em relação ao legislativo.

Nesse ponto, três questões se abrem. A primeira, e mais óbvia, é a dos desempenhos de diferentes papéis; enquanto o juiz, baseado em leis, assume o papel de designador da última palavra sobre qualquer assunto sob o qual tenha jurisdição, o jornalista não profere julgamentos, apenas perguntas capazes de proporem novos enfoques sobre os acontecimentos. Nesse sentido, o filme documentário que se quer isento, observador imparcial de tudo (ainda que saibamos ser isto impossível) e a entrevista se complementam com perfeição.

O segundo - e mais grave - é um gravíssimo rompimento entre o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. Tão grave quanto o rompimento de classes sociais de que Maria Augusta fala à apresentadora. Colocando de forma até simplista: o governo não cumpre com afinco e severidade as leis que o legislativo formula, o que abre brechas para que, além de todos os outros motivos culturais, psicológicos e sociais, esses adolescentes cometam infrações. Sobra ao judiciário punir tais infrações, sem que os infratores sejam efetivamente reabilitados pelo executivo (novamente ele!). O círculo vicioso se arrasta sem que haja um canal de comunicação oficial, efetivamente capaz de dar conta e entender os gargalos no processo. E isso é algo que o próprio capitalismo há centenas de anos nos ensina e que constitui um dos teoremas básicos do marketing: formulação - teste - feedback - reparo. Certamente, é uma discussão com muito pano pra manga, me sinto até um pouco verde demais pra falar disso.

Por último, a questão que nunca quis calar: quem vigia e pune quem vigia e pune? Se o próprio exercício das leis tem o seu grau de subjetivação, ou seja, está condicionado ao entendimento das condições que pedem ou não a aplicação delas, porque essa busca pelo entendimento é com frequência tão rasa e tacanha? Na cabeça de alguns, entender demais pode prejudicar a aplicação de leis, absolver os réus... Ou seria medo de que esse processo trouxesse alguma mudança?

De qualquer forma, admito que nunca fui muito afeiçoado ao direito: o pensamento cartesiano que é extraído dele pela opinião pública sempre me fez muito mal...

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Este ano não dei muita atenção pro Oscar, mas consegui assistir 4 dos 5 principais indicados. De dois deles já falei aqui (O Leitor e Benjamin Button). O único que não consegui assistir foi Frost/Nixon, mas como é do Ron Howard, um dos maiores cineastas-impostores de Hollywood da atualidade, não pretendo ligar muito. "Slumdog Millionaire" é talvez o mais refinado filme de Danny Boyle em termos estéticos. É cinema pop de boa qualidade, mas passa longe de ser um grande filme. E, claro, como já vi alguns dizendo por aí, bebe muito de Cidade de Deus mesmo.

O mesmo não dá para dizer de "Milk", a primeira cinebiografia da carreira de Van Sant. Ao optar por uma narrativa calcada no documental, o diretor não tenta penetrar na mente de cada um dos personagens do movimento gay em prol dos direitos humanos da década de 70, nem desvendar a personalidade de Harvey Milk, o político, o primeiro assumidamente gay a ser eleito nos EUA, que catalizou tudo isso. Ele, com a ajuda do roteirista premiado com o Oscar Dustin Lance Black, usa como base uma única gravação em fita de Harvey para contar a história de um personagem que se confundiu com a política do seu tempo.

E, principalmente, para fazer um filme abertamente panfletário, o que, de certa forma, perdoa a narrativa por demais esquemática; se a opção é pela popularização do filme, então o raciocínio seria correto. As propostas estéticas que Van Sant fez em filmes como Elefante, Last Days e Paranoid Park são pouco vistas aqui, com exceção de um ou outro plano-sequência dos personagens. Amparado por excelentes direção de fotografia e edição, o espaço ficou aberto para um estelar grupo de atores concederem brilhantes atuações, em especial Sean Penn, justamente premiado com o Oscar, e Josh Brolin. E tais atuações são de grande relevância: é talvez a primeira vez que um filme mainstream com personagens homossexuais pôde mostrar as vidas de casais, suas relações, refeições, demonstrações de afeto, longe de preconceitos e como ela efetivamente é - nada diferente da heterossexual.

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Numa operação parecida, a da figura pública e homem que se confundem, Darren Aronofsky fez o filme mais injustiçado deste ano nas premiações (junto com "Vicky Cristina Barcelona", do Woody Allen): "O Lutador". Contando com uma bela atuação de Mickey Rourke, até agora me impressiono com a classe e a elegância com que o diretor constrói a trajetória do lutador de luta livre cuja vida só recompensava dentro do ringue. Ao longo do filme, aos poucos, até a maravilhosa cena final entendemos que o personagem de Rourke era o mito que não conseguia ser homem comum.

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Ainda não comecei a assistir à nova temporada de 24 Horas, mas o telefilme que fizeram já me provou que tem tudo que sempre gostei na série: a embaixada americana na África é filha da puta, a atuação da ONU é omissa, empresários americanos armam generais e financiam golpes de Estado em país africano. hehehe Começou bem...

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Começou bem também o ano pra música. O Glasvegas fez um álbum com algumas poderosas canções, influenciadas por gente como My Bloody Valentine, Arcade Fire, Jesus and Mary Chain, U2 e até pelo obscuro Twilight Sad. É música para grandes estádios.

Quem fez, porém, um dos já prováveis 10 álbuns de 2009 foi o Animal Collective. Nunca dei muita bola pra esse coletivo, que já tem inúmeros álbuns na bagagem, mas este último, "Merriweather Post Pavilion", apesar não ser perfeito, é algo fora do comum! É inovador, ousado, instigante. Faz sobreposições de melodias e vozes que no início você não acredita que vão efetivamente conseguir. Se o Beach Boys fosse fazer o Pet Sounds do novo milênio, ele soaria mais ou menos assim:








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