quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Paranoid Park


Nesta sexta, chega, finalmente, aos cinemas o último filme do diretor Gus Van Sant, que recebeu, ano passado, em Cannes, a Palma de Ouro comemorativa dos 60 anos de festival. Tudo bem, todo ano filmes, quase todos marcantes, são premiados por lá. Mas receber um prêmio comemorativo significa um pouco mais: a condecoração fica impressa, para sempre, em um lugar distinto, especial. O valor de Paranoid Park, porém, não é único apenas para o célebre festival: dentro da obra de Gus Van Sant, ele representa o ápice de um ciclo estilístico que começou com "Gerry" (2002) e que se desenvolveu no brilhante "Elefante" (2003) e no inquieto "Last Days" (2006).

Poucos diretores são capazes de retratar nas telas tão bem o interior da sociedade americana quanto Gus. Esqueça os símbolos clássicos nos produtos de Hollywood: são nada além de repetições que exageram aspectos do american way of life e são tão eficazes para nos convencer quanto para reiterá-los aos próprios americanos, que, quando no mínimo incrédulos, contribuem para a falha no processo. "Paranoid Park", assim como "Elefante" já fazia tão bem, nos insere nos dilemas americanos não apenas pelo conteúdo (guerra do Iraque, crises do high school, entre tantos outros), mas também, e principalmente, pela forma (ainda que esta seja cerceada por uma narração em off que se prova, no final, mais interessante do que parecia): imagem e som recriam silêncios em corredores, labirintos sonoros na pista de skate, sentimentos do personagem principal.

Que, por sua vez, é um adolescente, skatista, de 15 anos de idade (e, outro mérito do diretor: ele escala não-atores com a idade dos personagens e não marmanjos maquiados e artificiais) interpretado com uma economia muito eficaz pelo estreante Gabe Nevins (recrutado via MySpace!). Numa noite, em que visita o tal Paranoid Park (uma complexa pista de skate), ele causa um acidente em uma linha de trem que vai assombrá-lo. Nunca a narrativa fragmentada pareceu tão bem utilizada em um filme de Van Sant. Afinal, é a espinha dorsal da sua reinvenção estilística, algo tão raro quanto precioso e louvável em um diretor que já tinha tantos filmes (de qualidade) no currículo.


Fazer de "Paranoid Park" uma história com começo, meio e fim, nesta ordem, certamente aproximaria o filme de um suspense; representaria um movimento de acontecimentos em um espaço de tempo em direção a uma conclusão, que, por sua vez, responderia uma pergunta: será o adolescente punido ou não pelo que aconteceu? Isso, ainda bem, não interessa a Van Sant. O importante é a transformação interior do personagem, ou seja, o estado e não a ação. Daí a forma elíptica como os corpos deslizam pelas cenas, os longos travelings e câmeras lentas.

Essas, aliás, funcionavam anteriormente mais como recursos estéticos do que como fonte de expressão de um estado. Em "Paranoid Park", porém, elas operam tanto como simbolismos ou metáforas quanto para permitir que percebamos algo que passaria despercebido. Dessa forma, ela se detém por alguns instantes no olhar que o protagonista dirige ao seu amigo e no que este lança de volta, como se nos informasse que entre os dois existe um afeto marcante. Ou em skatistas que deslizam por um túnel selado por barras de metal, ilustrando a sufocante sensação que se abate sobre o garoto. Ou até mesmo em saltos contínuos de skatistas, que termina com um humor inesperado, assim como a cena em que ele rompe com a namorada (que manifesta olhares e frases acentuadamente engraçadas pela lentidão das imagens). Igualmente notável é a seqüência em que o menino conversa com o pai. Fora de foco durante a maior parte da cena, após formarmos uma imagem mental dele, a câmera finalmente permite que tal imagem seja dilacerada pelo pai que avistamos.

O skate, por sua vez, tem papel central no filme. Isso é acentuado pela mais do que feliz escolha como cenário da cidade de Portland (capital do Oregon), um dos mais famosos redutos do skate nos EUA. O Paranoid Park é um mundo à parte pelo qual o garoto nutre profundo interesse: ali todos são um outro personagem, marcado pelas habilidades numa pista para a qual tanto ele quanto o seu amigo não se sentem preparado. Tanto que sequer consegue adentrá-la, observando tudo de fora. Mais do que uma comunidade à parte, a pista de skate é um refúgio (isolado, já que não produz a identidade de ninguém por nenhum outro meio, senão a habilidade no esporte) para um mundo complexo demais. Sua dinâmica é elíptica, suas regras são simples e o garoto parece encarar esse universo mais como um fascinante ballet do que como um esporte radical.

A solidão continua; o que muda no Paranoid Park é a maior possibilidade de compreender e de ser compreendido. No mundo exterior à pista, porém, o isolamento é muito mais presente: o garoto habita o limbo existencial que existe entre os primeiros estágios da adolescência, que sua namorada e as amigas tão bem representam, e a existência adulta. O grupo da namorada pode ser fútil, mas os outros interesses estão apenas começando a surgir, inclusive uma nova garota, a quem confessa, por exemplo, não gostar de notícias da guerra do Iraque, ainda que não saiba quais são. O trágico acidente não desperta apenas a culpa, mas a certeza de que nada pode ser igual. Mesmo que o próximo estágio não esteja claro.

Outras dicas:


Cinema

Reparação - Poucas vezes, uma adaptação literária foi tão cinematográfica. Um excelente trabalho de direção, fotografia, trilha sonora, edição, direção de arte, além de um roteiro interessante, fazem do filme uma bela experiência. Ainda que ela fique arranhada por algumas frases no final. Cinema clássico até o último fio. E isso pode ser muito bom!

















quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Realmente importa?



Ir ao cinema, recentemente, tem-se tornado um jogo de paciência. Até pouco tempo atrás, qualquer falatório logo era suprimido por ríspidos pedidos de silêncio. Hoje, porém, as coisas andam diferentes: falar ao longo do filme, mesmo que apenas interagindo com os acontecimentos na tela, tornou-se uma prática mais do que comum. E o falatório não é a única interrupção a um mínimo de concentração em relação ao que se passa na tela. Intermináveis pacotes de bala, pipoca, McDonald's e até Subway misturam-se ao filme.

Parece discurso de um velho resignado a considerar tudo o que é atual prontamente inferior ao estado passado, muitos vão achar. Ser apocalíptico, porém, não combina comigo: vamos aos fatos. Antigamente, havia um abismo entre a experiência cinematográfica e a de assistir a um filme em casa. Atualmente, Tvs de plasma, LCD, home-theaters, DVDs, Blue-rays, HD-DVDs, computadores, DVDs portáteis (inclusive os instalados em automóveis) entre tantos outros aparelhos tornaram a experiência audiovisual banal. Ela pode acontecer em qualquer lugar e em qualquer circunstância.

Não à toa, a ida ao cinema pareça a tantos algo tão banal quanto qualquer uma dessas atividades. Prova disso são os avisos que precedem os trailers; se antes davam conta de informar saídas de emergência e de pedir o desligamento de celulares, agora incluem invariavelmente um pedido de silêncio durante a sessão. Os problemas, porém, não acabam por aí. Em 2007, ainda que o país tenha recebido 135 novas salas de cinema, o público foi 2,9% menor do que em 2006. O cinema brasileiro, por outro lado, aumentou sua participação no público, ampliando de 10,9% para 11,1%.

Preços estratosféricos de ingressos e um ano de péssimos blockbusters talvez expliquem a situação. Ou talvez, quem saiba, o cinema esteja deixando de ser uma experiência de preferência para a última geração, acostumada, cada vez mais, a situações interativas proporcionadas por jogos eletrônicos, internet e celulares. Nesse sentido, o crescimento da produção de filmes em 3D e de salas preparadas para projeções desse tipo, que permite uma forma primitiva de interação - a de tentar alcançar a forma que se projeta à nossa frente - podem indicar que uma discussão mais profunda seja necessária.

Se é o fim do cinema tal qual o conhecemos? Pergunte ao teatro o que ele acha dessa indagação. Pessoalmente, fico com apenas uma afirmação: as coisas voltaram a esquentar.